sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Ao próximo segundo


Amo-te, tempo que se promete
tenaz e firme qual sol na tarde
a inventar cores. Sou voz coquete
gritando signos, fazendo alarde
de tudo aquilo que me transporta
desta caverna calada e fria
ao mundo azul que me bate à porta,
engalanado, sem aporias
ou mesmo cismas que a noite embala.
Como te espero e te amo, agora
que a vida explode e me traz atalhos.
Pareces deusa devassadora
a decifrar meu mundo em frangalhos
e as cordas roucas de minha fala.
És mais que imagem, que miro, linda,
a dar sinais ou prometer céus.
És consciência que me deslinda
sonhos alucinados, labéus,
alegrias infantis, repentes,
e a dor de graça que chega forte
caindo qual estrela cadente,
aparvalhada, cheirando a morte.
És só um segundo, mas és infante,
desbravador de novas verdades,
um mensageiro... Eu percebo que antes
de ti essa vida é banalidade,
mero rascunho do que se intenta
e se anuncia feito sereia
a seduzir nossa alma sedenta.
Brotas do nada: qual sal na areia
a dar um brilho sereno, lento.
Amo-te, meu próximo segundo
como à canção a chegar no vento
vestida em tons beirando o profundo,
mas doce e leve, acariciante.
A ti disparo as mais pobres preces
de história insossa, que segue adiante,
que vaga e nem mais se reconhece:
só quer um raio que se desvele:
novo frescor: vida à flor da pele.



segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

INSTANTE INFINITO

Busco-te,
instante infinito,
arfante, aflito,
rósea indumentária,
aporte, bendito
fruto do querer,
detrito,
reza solitária,
grito
alucinado, mito,
verso proscrito,
suma candelária,
céu predito.

Rogo-te,
por meus desditos
malditos,
rusgas necessárias,
atritos,
infâmias, delitos,
valsa ordinária,
 agito.

Jogo-me,
refém, contrito,
e imito
o sol descrito
em juras diárias,
e cogito,
recito,
acredito . . .
A dor é pária
e o sonho é dito,
bendito.

sábado, 17 de dezembro de 2011

VERSOS ESTRIDENTES

Meu olhar, por entre ramas e andaimes,
vai filtrando, da vida, velhas fotos
desbotadas como juras infames
a perderem-se em devaneios rotos.

Doces beijos ... Quase não os enxergo,
pois a vida, nos acessos de dores,
fez restarem só sabores amargos
na lembrança de quem tantos amores

percorreu, sonhando mundos eternos.
Tão atentos, estes olhos se atiram
procurando por acordes e verbos
que poemas e canções construíram

como esbelta catedral reluzente
que ostentou, por muito tempo, vaidades.
Hoje, buscam qualquer verso estridente
que me traga sonho, luz ou saudade,

não importa. O semblante desta tarde
é o retrato de uma vida esgarçada
que passou, andou, criou, sem alarde,
e hoje espreita novos ares e estradas.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Vida, dança!

Canta, vida! Gira mundo!
Pobres sonhos, pela estrada,
nessa carreira afobada,
vão quedando no rotundo

alvoroço da esperança.
Vida, dança! Alma cansa
do espetáculo de gala
da canção que perde a fala

e desaba, dromedária,
sem visão, desanimada . . .
Outros sons e indumentárias
vão passando na balada

do sabor que busca um porto
ou da luz que sonha alto.
São torpedo, verso torto,
serenata no contralto,

estridência desmedida
que se estoura na sarjeta
e se estranha pela vida.
Vendaval de silhuetas

descoradas pelo barro,
brota imenso nessa estrada
desenhada no bizarro,
confirmando a caminhada

já empedernida, calada,
ode ao jogo soberano,
justa, inefável jornada,
monumento espartano

a estraçalhar os poetas
e aventureiros do dia.
Canta, vida! Salta, atleta,
a excomungar a apatia

e prometer-te ao remanso
de novas águas cantantes.
Gira, mundo! Teu balanço,
qual afago, beijo, amante,

é troféu a ser alçado.
Dança, vida! Sê acalanto.
Desassossego adorado,
água fresca, vento, espanto . . .

João