Passado! Ah, meus sonhos pueris,
minhas voltas largas pelo tempo,
meus célebres enganos ensaiados,
minhas dores reais ... meus pés
acorrentados, atados à cidade,
a andar qual obreiros quietos,
querendo o mesmo, cantando
o de sempre, o banal, o permitido.
Havia sol, mas a dor do não,
escancarada nas canções,
nos voos rasantes, no silêncio,
isso e muito mais, a travar o passo,
dizia: devagar que a vida é pouca,
o tempo espreita e os ventos,
de tão livres, falantes e heroicos,
também matam e enterram.
Um desejo de poeta tolo,
desses que não se confessa,
pairava entre aprendizados,
crenças e máximas canonizadas.
Havia questões sem sentido
querendo luz, mas sabendo-se
tolas, e desejando não aparecer ...
até mais: desejando não ter nascido.
Passado! Ah, minha vida! Andarilha!
O que brotou de tudo isso? Um eu?
Aquele tal que se equilibrou, dançou,
se embrenhou nas falas santas,
nos versos da moda, nos bons modos?
Onde a vida deu a volta? Quando morri?
Quando foi que um outro nasceu
daquilo que foi vivido quase sem viver?
"A vida continua", dizem! "Não pare"!
Não, não paro: a vida se inventa, eu sei,
o sol nunca é o mesmo: também é outro:
há explosões novas, raios intrusos.
Não há razão pra parar, nem pensar.
Afinal, que me resta? Viver, querer,
amalgamar matéria, pensamento, dor,
amor ... Fazer o novo ... com o que resta.