Ele andava
pelo quarteirão como se não tivesse aonde ir. Chegava à esquina, disfarçava,
olhava ao redor e voltava. Sabia que poderia estar sendo notado, e isso o
preocupava um pouco, mas não tinha nenhuma intenção de desistir. Observava cada
trecho percorrido como se fosse a primeira vez que por ali passava. Ao cruzar com
as pessoas, invariavelmente olhava para o chão. Não encarava ninguém. Apenas
seguia seu caminho: esquina a esquina, percorrendo não mais que cem metros.
Seu passo era
lento e não parecia querer nada que não fosse andar. Já tinha idade bem
avançada. Poderia estar fazendo uma dessas caminhadas saudáveis que talvez
algum médico lhe houvesse indicado. Mas, nesse caso, não estava disposto a sair
da redondeza. Não queria se ausentar daquele quarteirão. Poderia estar em situação
muito grave de saúde e o risco de ficar longe de sua casa talvez não valesse a
pena. Também naquela parte do bairro havia poucas pessoas, e, caso se
aventurasse ao outro lado da avenida principal, certamente teria seu ritmo
importunado por gente apressada que lhe obrigaria a desvios e paradas que não
necessitava fazer ali onde estava.
Aos poucos,
para um observador mais atento, ficava claro que diminuía (ainda mais) o passo
quando se aproximava da pequena loja de roupas infantis que ficava perto do meio
da quadra. Quase parava em frente à vitrine, observava fixamente alguma peça
que se encontrava na parte baixa da mesma e, após um franzir de testa que
indicava olhar mais atento a algum detalhe da roupa escolhida, voltava a andar
mais rápido. E repetia tudo, novamente.
Já havia
completado quase dez minutos dessa pequena maratona, quando decidiu contrariar
aquela marcha e parou completamente em frente à vitrine.
Sem mais,
tirou um papel e uma caneta do bolso da camisa e começou a anotar alguma coisa
enquanto mirava as roupas expostas. Parecia estar copiando algo. Talvez o preço
do que quer que fosse que havia lhe chamado à atenção. Entretanto, sua postura
não era a de quem simplesmente escrevia preços. Olhava atentamente para o
artigo eleito e seus movimentos eram cuidadosos demais para quem apenas
registra preços no papel. Também havia um cuidado especial em ajeitar o papel
sobre a coxa direita, levantada e apoiada sobre a parede ao lado da vitrine. Na
verdade, parecia estar desenhando. Quase conseguia se manter estático e usava a
mão esquerda em seu traçado.
Não me
contive! Naquele momento, sem nenhum questionamento sobre o porquê de minha
decisão, levantei-me da mesa do bar onde enrolava com minha xícara de café com
leite, atravessei a rua e caminhei em direção à loja que ficava quase ali na frente.
Bem menos cuidadoso ou discreto que o velho que rabiscava coisas, aproximei-me
e parei perto dele.
Estava tão
concentrado em seu trabalho que pareceu esquecer a preocupação inicial com o
que as pessoas poderiam estar pensando dele. Não percebeu que parei bem atrás e
observei o que colocava no papel.
Não foi
difícil entender o que fazia. Com destreza e muita facilidade, copiava o rosto
do pequeno manequim infantil que era usado para exibir uma camiseta que estava
em oferta. Era uma figura do sexo masculino, que representava uma criança (um
garotinho) de menos de seis anos. O velho o desenhava sem qualquer problema,
ainda que a dificuldade em se posicionar fosse grande.
Tive
condições, sem que ele o percebesse, de comparar o que se esboçava no papel com
a figura da vitrine. Era perfeito! Seu traçado, simples e preciso, parecia
transportar a imagem do garoto para aquela pequena folha de papel. Com a caneta
azul barata, ele realizava um verdadeiro milagre. Jamais havia visto tamanha
precisão numa cópia (desenhada) de algum objeto, antes. Era, sem dúvida, um artista. Um maravilhoso e
humilde gênio, que, num desses atalhos da vida, brotara à minha frente,
gratuitamente.
De repente,
senti um grande respeito por aquele velho desconhecido, que, até então, pensava
tratar-se de um doente ou um maluco qualquer. Sua roupa simples e seu aspecto
frugal me sugeriam que provavelmente tivera uma vida sem grandes realizações e
certamente não era pessoa de posses. Apenas um artista. Um sujeito perdido pela
rua, quase invisível, que era capaz de captar, da maneira mais desajeitada
possível, alguma coisa perdida na paisagem e transportá-la maravilhosamente para
o papel, para os sentidos e para a imaginação de qualquer um que observasse seu
desenho.
- Olá,
senhor! – não resisti e puxei conversa com o homem.
- Sim? –
respondeu, entre surpreso e envergonhado.
- Não pude
deixar de observar. O senhor desenha muito bem. Está perfeito! Como consegue
copiar com tanta precisão?
- Bom... Faço isto desde menino... É um passatempo. –
foi dizendo isso enquanto dobrava o papel e o colocava de volta ao bolso,
juntamente com a caneta.
- O senhor é
um artista?
- Não! Sou
aposentado. Trabalhei durante cinquenta anos na ferrovia. Comecei como ajudante
e cheguei a mecânico. O desenho sempre foi para as horas vagas.
Quase sem
perceber, ele ia abandonando nossa pequena conversação. Já se encaminhava para
o lado da avenida larga quando fiz uma última pergunta.
- E por que o
boneco da vitrine?
- Nada, não!
Parece-se muito com um neto que perdi há cinco anos. Nunca tive uma fotografia
dele. Nem conseguia me lembrar de seu rosto, direito. Mas, quando passei nesta
rua e vi o boneco, ali estava ele. É igualzinho! A mesma cara! Então... O
desenho... Sei lá!... É pra guardar de lembrança.
João (06 / 07
/ 2012)
Muito bom pai, ADOREI.
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