O PRÉDIO DA ESCOLA
João Luiz Muzinatti
Mais
um ano a se acabar, e, no cenário cotidiano da escola, uma visão agora leve e
pacífica. Os alunos aprovados já não vêm mais. Aqueles que se encontram em recuperação
ou exame final chegam calmamente para completar as últimas etapas do longo ano
que chega ao fim. Pátios silenciosos e as ruas das cercanias, quase desertas.
E, tão imponente quanto comum, o prédio da escola passa a confundir-se com as
outras construções, dando sua contribuição modesta ao cinza fosco que tinge o
bairro. De toda a correria do ano, o que ficou foi a sensação de que os papéis
foram quase todos cumpridos e as pessoas podem, enfim, descansar um pouco do
conhecimento e fazer da vida algo mais prazeroso e descomprometido. É tempo de
não pensar! É hora de relaxar!
Ao
final de cada dia, o prédio da escola não fica apenas abandonado. Sóbrio e
modesto, sabe que deve ser esquecido. Conhecedor da realidade, entende que depois
de um dia de trabalho, bom mesmo é não pensar em nada. Chegando em casa, todas
as noites, as pessoas se prometem -
adultos e crianças - usar apenas um pedacinho de seus cérebros. E a TV está sempre
esperando com seu velho arsenal de descanso mental. Novelas e telejornais de
linguagem fácil - estes geralmente trazendo notícias seguidas das devidas
conclusões prontas e acabadas, dadas por comentaristas que mais parecem showmen
disfarçados - vão acariciando o pensamento e fazendo-o adormecer levemente. Sem
que se perceba, surge um estado de torpor benigno que afasta a todos daquilo
que incomoda a vida. O trabalho dos adultos e a escola das crianças e dos
adolescentes são coisas a serem esquecidas momentaneamente. Que o próximo dia
se encarregue de trazer tal suplício. Agora, é hora de ser feliz!
No
momento em que mais um ano vai se acabando, a morada do saber já conhece seu
destino. Solidão e esquecimento! Afinal, agora o tempo joga a favor das pessoas.
Hollywood, lojas exóticas (ou até as mais acessíveis), games, Facebook, entre
tantas opções, prometem a redenção do árduo e tenebroso exercício do pensar. Jovens
estudantes e seus pais esquecem a escola e, juntos, caminham para o paraíso
doméstico da alegria de não ter de esquentar a cabeça. Férias! E, no final do
ano, quase como um ritual de sacralização dos nadas nossos de cada dia, uma noite
feliz de gala, shows de virada, fogos e a doce expectativa das praias
de janeiro e do carnaval, que desde já, começa a se prometer.
Solitário
e insosso, o prédio da escola parece, mais e mais, não servir mesmo para nada.
Abandonado aos poucos, terá, no instante do crepitar dos fogos, a mais solene
desatenção do ano - mais que qualquer outra. No momento em que se festeja a
vida mais plena e a espera do futuro mais feliz, as salas de aula vazias e
escuras, os pátios e as quadras repletos de silêncio, os letreiros apagados e
as calçadas desertas constatam que não passam de meros figurantes na grandiosa trama
da vida. Acostumado a não incomodar nas noites felizes e sem pensamentos de
todos os dias, chega até a se gabar de poder proporcionar, agora, com sua calma
e seu silêncio, mais de trinta dias sem as penúrias de aulas, provas, leituras
ou trabalhos. Sonha, qual solitário enamorado de deusa distante, que está sendo
lembrado. De repente, um dos estampidos parece ser em sua homenagem. Escuta-o com
atenção e, com a calma de todas as noites, experimenta a paz suprema e imbatível da mais completa das
ausências.
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