quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

A HERÁCLITO

 

A s portas, de tão abertas,

N ão nos permitem ver!
A  vida anda errante,
T onta, ébria ... e segura ...
U ns se encantam,
R efestelam-se, dançam,
E nquanto outros, praguejando,
Z ombam da tristeza, desistem,
A calentam-se em verdades ...

A  flor segue linda, mistério ...
M elodias nos acordam:
A ndam pela história ... sem porquê.

E  quem as há de explicar?
S óis e planetas se desvelam
C ontidos, porém: há mistérios.
O u apenas os preferimos,
N ão querendo constatar,
D esolados, nosso fim ...
E speramos, ou nos agarrados,
R esignados, às fés de plantão.
-
S em ruído, segue a vida,
E  nós a buscamos, e navegamos...



sábado, 18 de dezembro de 2021

A WALTER BENJAMIN

 

Da vida muito se quis
viver,
saber,
poder ...

Do passado a palavra,
a razão,
o céu descolado
ou bem perto ...

Do sonho da carne
a flor,
o céu desolado
a clarear  ...

Dos deuses a morte:
castigo à carne,
futuro desfeito,
vazio, breu ...

Do homem a vida
a se querer,
palavra a queimar,
sol, seca, deserto ...

Da realidade o sonho,
a paz,
um perfume,
um riso qualquer ...

De nós a promessa:
vida possível,
sol de todos,
vida em toda parte ...

Da mente, das mãos,
a beleza ...
nada mais ...
o último elo ...

De nós nada mais:
cores,
melodias,
palavras que dancem ...



sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

PARTO

 

Parto!
Eu parto,
a parir
outro, novo.
Sempre
parto novo,
parto em mim,
parto além
de mim.
Parto
e ando,
perto,
longe,
parto estranho,
esparso,
parto, parto,
parto penoso,
paquiderme,
pusilânime,
preso,
pedinte ...
parto errante.
Parto a parir
outro, novo.
Agora ...
Antes,
doravante...
Parto!
Vida é parto,
desde o início,
até perder-me ...
Parto!
Parto ...
a qualquer
parte.
Parto ...
meu mundo,
minha vida,
meu prato,
meu parto!



quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Busca


Portas e caminhos ...
Céus e vendavais
andam pelo tempo.

A flor tem vigor,
viço
e histórias implícitas.

A brisa chega quieta,
mas seu toque é intenso ...
e sopra segredos.

Caras e gestos a revirar,
falas e certezas a se estranhar ...
E o pensamento ...

Ando a buscar
sei lá o quê. Uma cidadela ...
ou meu passo ...

Um pote de ouro,
mensagem novas,
ou a dúvida essencial?



terça-feira, 30 de novembro de 2021

Aquecimento global

 

Águas criam e afogam
o mistério!
Andam, misturam,
ardem,
aclaram e apagam,
sopram vidas
e abrigam a morte.

O fogo de Prometeu
aquece o querer,
saúda a lógica,
cria asas
e geometriza o selvagem.

Porém,  eleva,
mais que o sonho,
as águas que moldam o mundo:
sobem os mares ...
doem corpos e mentes.

O enredo escorrega,
se faz tonto, errante ...
entristece ...
E o mistério ...
... segue?


segunda-feira, 29 de novembro de 2021

À VIDA


Uma manhã brota da janela
como um afago entre turbulências.
As flores que desafiam o cinza
insistem na heróica missão
de ser beleza, alento,
cor de fato ... e paz.

Ouso um voo sobre a vida,
querendo-me parte (ínfima que seja)
de tal cena. Intruso, desajeitado ...
Ar, terra, luz, tudo me pertence:
a história, o sonho, o possível ...
Por que não?

À vida!


sexta-feira, 19 de novembro de 2021

VIVER



Na rua, tropeços, desencontros,
o trajeto do errante,
sonhador ... passos de fera,
olhos de menino.
Curioso, delicado, meio louco.
Andarilho que não vê a sombra!

Íngremes, as calçadas largas
fazem cambalear,
como os becos da vida ...
Vacilos, passos tortos,
a luz que não reflete:
ofusca, que azar!

Onde andam a relva limpa,
o arvoredo perfumado,
as brisas carinhosas, a sombra?
Será que existem, mesmo?
Talvez um sonho que ultrapasse
o torpor ... um regalo escondido ...
Resta só a passada, a força!
A vida chama e se despede,
vai e vem, ladeira e sonho,
dor e água fresca ...
Até onde ela quiser.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Acróstico 4

 

N os sonhos de felicidade, 

I nvadimos canteiros, 

N avegamos calmarias, 

G otejamos néctares ... 

U m céu perene, límpido ... 

É  fantasia esnobe, fugaz. 

M esmo assim, pois, voamos ...


Acróstico 3

M eu olhar viaja alhures! 

U m horizonte plácido, quem sabe. 

N uvens bailarinas, desenhistas, 

D ivas esbeltas, sedutoras ... 

O  som da vida me atrai ... e caminho.


Acróstico 2

 

E m andanças,  poemas, 

N os verões, nas manhãs claras, 

C orrendo pela vida atrás de perfumes, 

A cabo me achando na brisa leve, 

N os olhos serenos da criança ... 

T omo fôlego na esquina sombreada, 

O fereço-me à sorte... e amo os grãos de pó.



Acróstico 1

 

D os diferentes cantos da manhã 

E spreito um mundo ajustado, 

F ormas canonizadas pelo tempo, 

E spaços visitados, pés descalços 

I mpotentes ante a vida ... soberana. 

T udo mostra meu porte ... débil ... 

O  sol me ampara, me dá ganas. 

S ou a visão da espera, do pedinte...


segunda-feira, 4 de outubro de 2021

PEDRINHA

Pedrinha jogada,
perdida
na calçada,
na rua quase deserta,
eivada pelos passos afoitos,
gananciosos, desavisados
ou apenas
errantes,
de quem não vê a rota,
nem o sol
ou o chão que pisa.

Pedrinha ínfima,
teu silêncio
é a dor do tempo,
do caminho ingênuo,
neutro ...
sem razão ... invisível.
Tua face é fria,
teu lampejo é quase nada,
Tua vida, ignorada ...
Insistes ... ora ... porque queres.

Pedrinha amiga,
às vezes penso
em ti, em tua lúcida canção,
em teus jeitos afinados
com a vida incerta, tola, vazia
que compartilhamos.
Tens minha timidez ... meu sotaque,
és minha diva, meu sopro ...
Às vezes penso em ti, demais ... pois
insisto em também pensar em mim.


ETERNO

 

Um encontro,
uma pétala que bate na janela,
um sol que acha uma folha esbelta,
um dia ... breve sonho que resvala
o infinito ... ou apenas tempo a passar.

Um desejo,
um fôlego que se arroja noite afora,
andarilho a dançar pela praça,
chamando atenção para sua loucura,
passeata alerta querendo ser lema.

Um amor,
uma estrofe, de tão breve, a se ver
romance ou epopeia, meiga e guerreira ...
Um acaso, quase fagulha, a se ver chama ...
Encontro, desejo ... instante a se querer eterno ...

terça-feira, 7 de setembro de 2021

AVESSO

 

Idolatrada?  Não!
Sem ídolos,
só mãos, asfalto,
suor,
risos, afagos,
beijos,
arrepios ... amor!

Deus? Não!
Só se forem
profetas das letras,
dos direitos,
das ciências ...
labutadores,
obreiros da vida!

Certezas? Não!
Apenas a jornada,
o sol que acorda cedo,
o pão que vale vida,
a mão ... o tesão.
A dor sentida ... sem medo,
e o querer ... sempre!



domingo, 22 de agosto de 2021

Estampido de vida

 

O som que brota de dentro
do meu querer moleque,
música lenta, valsa,
estampido firme
ou poema sem fim,
acorda-me ... sol a pino
a queimar e despertar.

Volto-me às tristezas
e esperanças do menino,
às epopeias brincadas,
sonhadas ... aventuras.
Vívidos verões
e primaveras impossíveis
naquilo que me fiz pelo tempo.

Ah! Quantas letras rolaram!
E as juras! Sopros de alcova
tímidos ... gigantes ... paixão ...
A alegria sempre a queimar
e me fazer viver. Até as quedas
tontas, descabidas ... minhas ...
O doce a me seduzir,

a regra a me prender, o dia ...
Meus olhos crentes das manhãs
e as contas, os sossegos, das noites ...
Minhas promessas, futuro,
meu olhar de guerreiro, meu desejo ...
A vida andou, e eu não parei,
e não paro ... não eu!

Cada despertar, um sol novo,
a nunca me deixar ... anjo,
guarda-costa, força que aparece ...
Um dia, por descuido, sei lá,
vai me esquecer ... da vida ...
Mas esta canção ... ah! Esta, não!
Vai tocar, me fazer dançar ... até o fim.


João Luiz Muzinatti 

agosto / 2021


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

DIAS DE HOJE


Manhã que chega
tímida, sem orquestras,
alaridos,
eloquências.

Sopro leve, vagaroso,
de um querer sem rumo,
confuso,
acanhado.

Cena descorante
de um sonho que acordou
e desejou ...
se atirou ...

Manhã incomum,
pois os dias balançam,
se entristecem
e só esperam ...

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Tempos incertos

O que desponta
na claridade da manhã,
no vento a reverberar
lutas,
atropelos,
afetos?

Um suor que já cai,
uma fala que inventa
razões ou tolices,
liberdades ...
medos,
esperanças?

O que me fala a rua,
traço torto na tela
incerta que se pinta?
Vida,
desejos ...
angústias?

quarta-feira, 5 de maio de 2021

DIA TRISTE

 


“Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
daqueles que velam pela alegria do mundo [...]”

CAETANO VELOSO

 

Hoje, o sol apareceu bem cedo. Lindo! Um típico sol de maio! Só que o dia está triste!

Hoje, acordamos com a notícia – estampada em todos os jornais, sites, noticiários ... – da morte do humorista Paulo Gustavo. Sim! Aquele mesmo, da Dona Hermínia. O ator que fazia o papel daquela mãe toda cheia de trejeitos e expressões, as quais dificilmente não eram reconhecidas por nós como sendo idênticas às de senhoras que vemos comumente por aí. Em particular, as mães de tantos de nós. Isto porque ele, propositadamente, resolveu copiar a sua mãe num personagem que se tornará inesquecível. Um gênio da comédia e da interpretação dramática. Perdemos um grande artista! A arte está de luto!

Mas, sinto que a perda está maior – bem maior – do que nos damos conta. Estamos, neste momento, meio órfãos da alegria. Isso: perdemos um desses cavaleiros solitários, guerreiros do tempo, arautos da leveza. Hoje, o riso vai surgir como sempre, mas dará meia volta. Perceberemos, a cada chance de buscar novas graças, a falta de um dos tutores do nosso espírito: um desses embaladores de presentes que tingem nossos dias de regalos. Perceberemos, de repente, que as razões para se crer na felicidade vão se atrofiando cada vez mais. É! Ele estava sendo tão importante, nos últimos tempos ...

Vivemos, hoje, uma contradição sem limites. Tentamos viver de todas as maneiras, buscar luzes, sonhar com paz ... Enfrentamos uma guerra biológica contra a natureza – a mesma que nos deu a chance de existirmos, e nos preparou um mundo lindo, cheio de prazeres possíveis. Somos bombardeados por um vírus irracional, que não planeja nem tem ódio, mas vai dizimando pessoas, famílias e histórias. O medo aparece sempre que abrimos nossas janelas. Somos órfãos de lideranças que, nesta guerra, nos poderiam conduzir por caminhos menos perigosos. Somos reféns de um lobo que tenta devorar justamente a guardiã maior de nossa raça; aquela que é a filha mais querida e brilhante da senhora humanidade: a ciência! Nossas forças são bombardeadas pelo fantasma da morte e seus demônios em peles de cordeiro. Dependemos de forças que nos façam mais valentes, mas perdemos – dia a dia – as vitaminas que nos protegem da morte: as alegrias!  Mais uma delas acaba de nos deixar.

Paulo Gustavo – ou a Dona Hermínia, se preferirmos – nos fazia vermos um pouco do que a vida traz de belo em sua simplicidade e em seu cotidiano. Sim! A vida é linda, nos diria Paulo: basta que vejamos com cuidado aquilo que, gratuitamente, todos os dias, desfila perante nossos olhos e ouvidos. Afirmaria, sem dúvida, que o humano das ruas, das casas, dos trabalhos, é tão gracioso que pode enfrentar a morte (e seus soldados alucinados) sem precisar de armas, dogmas ou emblemas de poder. Diria, talvez, até: conhecereis a alegria, e ela vos libertará. Estaria ao nosso lado, nas trincheiras da esperança, lutando pelo direito humano de ser o que quiser ser – assim como ele tentou sempre fazer em sua vida.

Que pena! A tristeza fez outro gol! Mais um! A morte nos deu mais um aceno de seu poder.

Fazer o quê, Paulo? Somos fracos diante do mundo. Somos grãos de poeira, sem dúvida. Você, um pouco maior que os demais, pois carregava os germes de nosso maior alimento: o riso. Agora, nos deixou; mas a Dona Hermínia fica. Enquanto pudermos vê-la, sentiremos a graça da vida simples e do amor gratuito. Sim: ela é eterna! Obrigado por nos presentear com essa “peça”! E, incapaz de crer noutras vidas, só o que posso dizer: obrigado! Obrigado por deixar sua alegria para muitas outras vidas, e muitos outros tempos. Aqui, seguimos nos aguentando!

 

João Luiz Muzinatti

FILOPOESIA