sexta-feira, 30 de agosto de 2024

MANCHA

 

Onde o céu despeja seu azul
meu olhar se atira e se perde.
Órfão das verdades da infância
e dos futuros radiantes,
acabo abalroado pelo trem
do real, rochedo impávido, sisudo
gigante a ordenar e punir. Tirano!

Faltam-me forças. Ou, guerreiro,
não passo de ínfima larva
a se agitar, pedir clemência
ou se jogar à sorte, inerte,
apenas sedenta de rastros
de frescor, miragens forjadas
ou afago falso de deusas estéreis?

Ordeno-me os olhos, escravos
eventuais da estação, tímidos
mensageiros de toda sorte
de esperanças, fatalidades ...
Subo por eles ao topo da manhã,
ensaio elogios, me rebaixo, rastejo.
Faço-me, enfim, mancha ... cisco.




segunda-feira, 26 de agosto de 2024

O ABSURDO

 

A s rotas da vida se me cerraram cedo.
B astou sentir de leve o vento da tarde,
S oou, então, a nota triste e o aceno do real.
U m sonho não vive. Voa e se arrebenta.
R esta o sol queimando, o peso das pedras ...
D e mim, abraços ao mundo, o todo, o tudo.
O  tempo me leva, e eu me aguento ... e amo!



domingo, 25 de agosto de 2024

LABIRINTOS DA NOITE

 

Já estive em tantos lugares,
mas a vida me leva sempre
aos labirintos da noite,
aos redutos de solidão,
pobres e tristes vãos da vida.

As canções me dizem
sempre o mesmo:
sou tristeza que se arroja
pelos desvios da espera:
andarilho natural e fiel.

Hoje, venho mais uma vez
me haver com saudades,
ilusões e promessas
que passaram, luziram
e me fizeram ser quem sou.





sexta-feira, 23 de agosto de 2024

VERSO QUEBRADO

 

A noite acorda-me

de um sonho estreito:

melodias fundidas, opacas,

como a própria dor do nada

ou do breu opressor das horas.


Sou verso quebrado 

a verter na noite 

um sabor amargo de solidão.


Sou prosa rota, silvo breve,

estribilho a buscar-se

no silêncio. Voz que cala

ante o coro de certezas 

e belezas santas.


Sou da cor da noite,

invisível grito feito pó,

amor esquecido, rima impossível.

Sou tempo desperdiçado, 

aquele que se quis 

e se esqueceu.




SOZINHO


S ou o lago que se vê calmo
O nde formas vivas se atropelam
Z oando camufladas, matando,
I rradiando seu caldo criador.
N atureza oculta em casca de beleza,
H oje, meu verso declarado brota
O nde a dúvida invisível tenta se achar.




domingo, 11 de agosto de 2024

UM FIM

 

E a tarde veio
                vazia
feito a flor guardada
ou a canção sem voz

O céu, distante
mais que nunca
             fez troça
      se escondeu
           
Pobres das notas
            escolhidas
             ensaiadas
 Foram sufocadas

Restou a areia clara, fina
                 a insistir
       ensaiar algum brilho
       ou movimento

Tistes os poetas ávidos
            perderam-se
  a dor venceu a luz
os versos dali não brotaram




quinta-feira, 8 de agosto de 2024

DE MÚSICA E DESEJOS


Do sabor da nota Sol,
o sol da tarde,
(uma promessa de noite)
aconchega
antes que os ruídos
quase opacos do breu
venham fechar o quadro.

Temores brotam da dúvida
essencial, pobre
metafísica de andarilho,
sobre a manhã prometida
e seus trajes mundanos ...
sua face hipócrita:
cadê meu naco de verdade,
meu riso leve?

A tarde voa e se perde
por detrás dos muros;
não nos ouve, ignora!
A espera persiste e a vida
se inventa sem nada novo.
De um lado, música a se perder;
de outro, imagens sonhadas,
tela nova ... e desejos a se esbarrar.

João Luiz Muzinatti   -   agosto/2024