domingo, 18 de março de 2018

RÁPIDA REFLEXÃO - E MEIO SEM QUERER ..



Manhã de domingo! Um café na padaria, como acontece quase sempre. Depois, contrariando prescrição médica, um cigarro, enquanto penso no que poderá ser o domingo e a semana que se iniciam. Sentado num degrau do estacionamento, leio artigos do jornal de domingo. E praticamente todos me mostram um panorama sombrio. Marielle Franco é o foco das matérias; e não poderia mesmo ser diferente. Afinal, até mesmo o mais pessimista entre nós não pensaria, há uma semana, que um assassinato tão brutal viesse a acontecer. Um crime violento justamente contra uma defensora de direitos dos mais humildes, além de ser uma voz eloquente contra os abusos do poder (institucional ou não).
Jânio de Freitas, Hélio Gaspari  e Ruy Castro nos alertando para o que podemos resgatar na história mais ou menos recente de nosso país: cenas parecidas, correlatas e com a mesma sinalização deste assassinato brutal. Vejo, também, Hélio Schwartsman discutindo se as conquistas iluministas nos trouxeram de fato vida melhor. E, para coroar essa coletânea de indagações mais do que oportunas – porém tristes - a desafiar o lindo dia que começa, o querido Antonio Prata a dizer que, apesar de seu ofício ser a crônica, uma forma de “instalar sorrisos no canto da boca e não a liberação de gritos engasgados na garganta”, hoje é diferente. Sim, pois, hoje é “um destes dias em que perco a batalha, em que a busca pela delicadeza é pisoteada pelo mamute da revolta”.
Não sei o que penso. Minutos antes, discutia – por whatssap - com uma amiga que vive num país muito distante sobre ter ou não fé na profissão (que abraço há mais de 37 anos) de professor. Terá valido a pena? Que ânimos podem me fazer continuar? Como driblar o desalento e recolher forças para continuar a fazer a única coisa que acho que sei fazer? E, principalmente, como encontrar (ou construir novas) forças para continuar neste percurso? Afinal, sinto que já vi este filme antes. E já o estudei muito, nos textos de História do Brasil, quando procurei saber o que acontecera antes de me dar conta de mim. E, como sei que acontece com a maioria das pessoas que valorizam a vida, minha tarefa aqui é encontrar, sim, paliativos ou visões ideais que possam me fazer viver mais ... (Aqui, quis colocar complementos, adjetivos, advérbios ... mas sinto que a frase fará também grande sentido se terminar somente com o “mais”.)
De repente, um senhor, a quem apresento como Carlos S., me saúda e inicia um papo rápido. Dizendo ter 82 anos de idade, afirma que viveu os bons tempos desta cidade. Há 60 anos, relata, chegou de Portugal e se instalou bem aqui no bairro. Diz ter iniciado um empreendimento que se fez vitorioso. Que sua vida seguiu o rumo da grandeza que era o nosso país, o qual oferecia condições a todos os que quisessem viver em paz, e com uma certa dignidade. Mas, lamenta - com toda a sinceridade que uma atitude descontraída pode nos assegurar – o rumo que as coisas tomaram.
“Hoje” – afirma, com ar sério – “a violência tomou conta deste país. As coisas estão sempre piorando; não sei onde isso vai parar”. Em sua fala, um lamento sincero de quem tem filhos, netos e (pode ser) até bisnetos. A fala de quem gostaria que tudo fosse diferente. Ou, ao menos, que as coisas não houvessem degringolado como aconteceu. O lamento emblemático de um estrangeiro que se tornou até mais brasileiro do que muitos de nós. Uma fala contundente que me dá argumentos suficientes, dentro da minha reflexão eventual, para que eu abandone tudo e vá criar galinhas no interior. Penso, então: “este homem está me dizendo para desistir. É isto”! Porém, quase ao se despedir, pergunta o que faço e se encanta ao saber que dou aulas de filosofia, e que tenho grupos de alunos por Skype.
“O senhor dá aulas à distância? Que bom! Gostaria de participar! Mas, preciso de alguém que me ensine direito como operar o computador. Sabe como são as coisas: na minha idade é mais complicado”.  E deixa um recado no ar, enquanto recebe o meu cartão: “é preciso aprender como funciona este mundo; se não, as coisas ficarão cada vez mais complicadas para todos nós”. Depois, despede-se, acompanhado pela simpática esposa que acaba de chegar, e garante que vai me ligar. Parte sorridente e me deixa perplexo. Mais que isto, admirado.
Em nenhum momento valoriza minha ideia de ir para o interior criar galinhas ou porcos – a única tecnologia que domino razoavelmente, a ponto de iniciar “vida nova”. Pelo contrário, me ensina docemente: “as coisas estão do mesmo jeito em toda parte: tudo precisa ser diferente, em qualquer lugar”.
Minha cabeça, feito turbilhão, dá voltas e parece alternar voos estratosféricos com caminhadas lentas e suaves pela relva inocente. Não sei mais o que pensar. De repente, me olho e encontro um vazio. Estou oco ... Sem parâmetros, sem nenhuma certeza, sem nada. Meu futuro? Que futuro? E fico pensando que aquele homem talvez seja um sonho que me acomete acordado. Pode ser um embusteiro a fim de me confundir ... Ou, ouso pensar com um “riso no canto da boca”: “talvez seja a alma do Sartre que resolveu vir brincar comigo e dizer, pela boca do velhinho, que ‘não importa o que nos fizeram: seremos aquilo que fizermos com o que foi feito de nós’”.
Olho para o meu bolso e percebo que os cigarros acabaram. Meu bolso também está vazio. E parto para o carro, sem nada mais na mente. Só a certeza de que este encontro eventual me despiu, me lavou ... e me trouxe de volta ao velho nada. Bora preencher isto, então! Mas, como? De que jeito? Acho que vou voltar à padaria e comprar outro maço de cigarros.

João Luiz Muzinatti
18  03  2018