segunda-feira, 1 de julho de 2024

UM BALANÇO













Num balanço extemporâneo,

quase imperceptível
de folhas ao redor da janela,
senti do céu um aceno

(ou talvez tenha sido um olhar de desprezo ...).

O claro fundo entre azulado e pacato
pareceu-me dizer de mim,
da vida que levo.

Um olhar de mestre
altivo, vivido.

Um chamado ao real,
à turbulência que, de tão estridente,
se faz despercebida ante meus olhos.
A mesma que me trança os pés,
empurra e estanca meu corpo,
alerta e me desvia o espírito.

O claro infinito talvez tenha dito
(sei lá! Tudo parece ter cabido num átimo)
que a vida se esvai,
o tempo viaja rápido
e o sol, de tão fiel,
me olha de esguelha
e não garante qualquer volta;

que o real dá piruetas

no absurdo de Camus,
na inconstância dramática de Heráclito,
no sofrimento infinito de Schopenhauer,

na minha própria dor de ser
ou de ser
apenas um tempo perdido
no nada,

e que o verde,
o sangue a pulsar débil de tantos,
a sede de saber (que se disfarça
de balbúrdia ou voz contida),
o grito abafado da fome (feita natural)

todos se mostram
a mim como se fizeram ver ...
tantas vezes.

Ah, pálido azul!  Terás me cobrado algo?
Porventura me haverás culpado
por meu silêncio,
minha paralisia,
meu riso esquivado
e esquecido?

Poderás ter me acenado de dentro?
Poderás me ser mero reflexo?
Imagem pálida de um vulto inerte,
passivo

a errar por um fio de existência
sem de nada se ocupar
além de sonhos que não lhe pertencem,
prazeres inventados alhures,
sabores e cores
que nunca provou de fato?

O que essa imagem inesperada
por detrás da vida
me quer dizer?

Tantas décadas não bastaram?
A vida é o que vem,
não o que ficou?
Meu sol, só o de amanhã,

o resto não existe
e ninguém poderá assegurar?
A vida é imensa
mas pode me caber nas mãos?

Parece me acenar
e me gritar:

Não é hora de parar! Teu carro ainda segue,
tomas-lhe as rédeas

dás teu som às falas,
teu impulso aos golpes
que a vida de tanta vida
ainda quer ... e crê poder dar

(num monstro que reina soberano,
e sei que irás odiar saber que reinará
sem ser acossado quando partires).

Vais ficar aí?
Vais te condenar ao nada,
ao que ainda não está?



A janela segue entreaberta
e o claro vai se turvando,
as nuvens e a noite
vão baixando,

o reflexo se desfazendo

e a vida
(a que importa, a que resta)
esperando,
como sempre.

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