quarta-feira, 5 de maio de 2021

DIA TRISTE

 


“Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
daqueles que velam pela alegria do mundo [...]”

CAETANO VELOSO

 

Hoje, o sol apareceu bem cedo. Lindo! Um típico sol de maio! Só que o dia está triste!

Hoje, acordamos com a notícia – estampada em todos os jornais, sites, noticiários ... – da morte do humorista Paulo Gustavo. Sim! Aquele mesmo, da Dona Hermínia. O ator que fazia o papel daquela mãe toda cheia de trejeitos e expressões, as quais dificilmente não eram reconhecidas por nós como sendo idênticas às de senhoras que vemos comumente por aí. Em particular, as mães de tantos de nós. Isto porque ele, propositadamente, resolveu copiar a sua mãe num personagem que se tornará inesquecível. Um gênio da comédia e da interpretação dramática. Perdemos um grande artista! A arte está de luto!

Mas, sinto que a perda está maior – bem maior – do que nos damos conta. Estamos, neste momento, meio órfãos da alegria. Isso: perdemos um desses cavaleiros solitários, guerreiros do tempo, arautos da leveza. Hoje, o riso vai surgir como sempre, mas dará meia volta. Perceberemos, a cada chance de buscar novas graças, a falta de um dos tutores do nosso espírito: um desses embaladores de presentes que tingem nossos dias de regalos. Perceberemos, de repente, que as razões para se crer na felicidade vão se atrofiando cada vez mais. É! Ele estava sendo tão importante, nos últimos tempos ...

Vivemos, hoje, uma contradição sem limites. Tentamos viver de todas as maneiras, buscar luzes, sonhar com paz ... Enfrentamos uma guerra biológica contra a natureza – a mesma que nos deu a chance de existirmos, e nos preparou um mundo lindo, cheio de prazeres possíveis. Somos bombardeados por um vírus irracional, que não planeja nem tem ódio, mas vai dizimando pessoas, famílias e histórias. O medo aparece sempre que abrimos nossas janelas. Somos órfãos de lideranças que, nesta guerra, nos poderiam conduzir por caminhos menos perigosos. Somos reféns de um lobo que tenta devorar justamente a guardiã maior de nossa raça; aquela que é a filha mais querida e brilhante da senhora humanidade: a ciência! Nossas forças são bombardeadas pelo fantasma da morte e seus demônios em peles de cordeiro. Dependemos de forças que nos façam mais valentes, mas perdemos – dia a dia – as vitaminas que nos protegem da morte: as alegrias!  Mais uma delas acaba de nos deixar.

Paulo Gustavo – ou a Dona Hermínia, se preferirmos – nos fazia vermos um pouco do que a vida traz de belo em sua simplicidade e em seu cotidiano. Sim! A vida é linda, nos diria Paulo: basta que vejamos com cuidado aquilo que, gratuitamente, todos os dias, desfila perante nossos olhos e ouvidos. Afirmaria, sem dúvida, que o humano das ruas, das casas, dos trabalhos, é tão gracioso que pode enfrentar a morte (e seus soldados alucinados) sem precisar de armas, dogmas ou emblemas de poder. Diria, talvez, até: conhecereis a alegria, e ela vos libertará. Estaria ao nosso lado, nas trincheiras da esperança, lutando pelo direito humano de ser o que quiser ser – assim como ele tentou sempre fazer em sua vida.

Que pena! A tristeza fez outro gol! Mais um! A morte nos deu mais um aceno de seu poder.

Fazer o quê, Paulo? Somos fracos diante do mundo. Somos grãos de poeira, sem dúvida. Você, um pouco maior que os demais, pois carregava os germes de nosso maior alimento: o riso. Agora, nos deixou; mas a Dona Hermínia fica. Enquanto pudermos vê-la, sentiremos a graça da vida simples e do amor gratuito. Sim: ela é eterna! Obrigado por nos presentear com essa “peça”! E, incapaz de crer noutras vidas, só o que posso dizer: obrigado! Obrigado por deixar sua alegria para muitas outras vidas, e muitos outros tempos. Aqui, seguimos nos aguentando!

 

João Luiz Muzinatti

FILOPOESIA

4 comentários:

  1. Muito triste 😞 João! São muitos Paulo que temos perdido, com tanta vida para desfrutar, e infelizmente, sem esperanças para sonhar!

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