quarta-feira, 18 de setembro de 2024

JORNADA

 

Qualquer espada é brilho que toca
o corpo e o faz perder sua cor,
dar-se ao absurdo e morrer sem mais.

Nosso desejo, qual arma apontada,
é dor e afronta a sofrer ou ferir.
Pagamos o preço da ilusão, sofremos

o corte cintilante a nos dar ao tempo,
às troças do vazio ... à solidão.
Andamos qual guerreiros apaixonados,
ávidos de vidas que brotam de dor,

beleza que vêm do sangue e luz
a fulgir de sombras e rochas estéreis.
Vivemos do ar, da marcha ao topo,

de canções estranhas a mover-nos,
aves ébrias que ouvem só ecos secos
de mundos escondidos e rotas perdidas.



RABISCO

 

R uas e becos pela tarde,
A mores e tristezas na noite ...
B em disse, um dia, um poeta:
I sso é mundo, é vida! Espera!
S omos gravura incompleta,
C aminho a se escrever, pintar.
O  ensaio, a tentativa. Promessa!



segunda-feira, 16 de setembro de 2024

MUNDO

 

M aior que meu tempo, meus limites,
U ma esfera que caminha para si,
N o escuro nada, me toma e me leva.
D e meus sonhos faz troça, me anima.
O nde encaro, ataco, embosca ... e some.



domingo, 8 de setembro de 2024

POESIA IMPRESTÁVEL

 

Quanto vale um poema?
Vale alguma coisa?
Serve para alguma coisa?
Constrói,  enriquece, salva, cura?

Versos a rolar pelas páginas
de um livro que nem comprei
a dizer coisas sem nexo,
de quem tem tempo sobrando
a quem anda perdido no tempo?

Eu? Por quê? Tenho mais que fazer!
Não há pedras em meu caminho:
só problemas reais, duros, pesados!
Infinita enquanto dura é minha dívida,
a ser paga amanhã. É nela que penso,
e quase arrebento meus pobres miolos.

Se eu me chamasse Raimundo,
nada mudaria em minha vida: andaria
feito anjo torto, ou pacote bêbado.
Todos esses que aí estão atravancando
meu caminho, continuarão! Impávidos!

As coisas lindas, as findas, vão
e voltam, rodam e enredam, viajam,
e não saem do lugar. Remoinhos!
E eu aqui na praça dando milho,
e atenção a pombos que só voam,
não aterrisssam. Cadê?

Não! Poema não tem valor!
Não serve, não custa, não vende,
não compra, não elege ...
Vou cuidar da minha vida, sério,
atento. O mundo requer foco!
Deixo a poesia para os iludidos,
e vou rodar atado ao mundo,
rolando pela realidade, mergulhando
no mar das certezas.

Pois a vida é certa, a morte, idem,
e meu tempo não voará
além da terra firme, do porto seguro.
Meu verso é meu trabalho, sério,
minha canção é meu suor, solitário.
Acho que me fiz claro!
O resto tem de ser silêncio!



quinta-feira, 5 de setembro de 2024

SERENATA GRATUITA

 

As prosas na manhã me acordam
vindas da janela, furando o cerco
seguro da vida ... a ilusão ... ou medo ...
Como carinho que tropeça
ou canção estranha,
dessas que poucos gostam,
vêm me despertar do nada sagrado
e me chamar para a lida. Agitadas,
me sacodem do remanso racional
e me jogam ao ereto mundo absurdo.

Quanta história! Epopeias secretas
com heróis desconhecidos,
plácidos viventes do mundo cinza,
esse sem o brilho das telas
ou as manchas dos eventos de gala.
Esse mesmo, da heroica jornada
de se viver, de continuar
num mundo que diz não e não
àqueles que insistem fazer frente
e ver alguma cor no fim ...
do que quer que seja ...

Homens fortes e simples,
feitos de brio e fé, obreiros das promessas
andantes de algum futuro que salta
entre seus desejos, alguns reais,
outros alucinados e fugazes.
Constroem, pavimentam o chão
em que outros, menos simples,
com outras forças e verdades,
farão seu caminho seguro
e confortável pela vida: os “de bem”.
Vida é seu estribilho maior, seu coro,
sua nota mais aguda a bailar na brisa.
A sorte paira no ar, entre claves e semibreves,
e como a moça encantada na janela,
brindo a seresta gratuita, agradeço, aplaudo
tímido e indeciso. Agora o mundo é meu.

Findo o vazio, salto para a manhã de fato,
sem nada mais que um sol tímido a brotar
e os versos doces e ritimados que ficam,
balançam e me permitem me apoderar
daquilo que o dia vai me ofertar, daqui a pouco.



sexta-feira, 30 de agosto de 2024

MANCHA

 

Onde o céu despeja seu azul
meu olhar se atira e se perde.
Órfão das verdades da infância
e dos futuros radiantes,
acabo abalroado pelo trem
do real, rochedo impávido, sisudo
gigante a ordenar e punir. Tirano!

Faltam-me forças. Ou, guerreiro,
não passo de ínfima larva
a se agitar, pedir clemência
ou se jogar à sorte, inerte,
apenas sedenta de rastros
de frescor, miragens forjadas
ou afago falso de deusas estéreis?

Ordeno-me os olhos, escravos
eventuais da estação, tímidos
mensageiros de toda sorte
de esperanças, fatalidades ...
Subo por eles ao topo da manhã,
ensaio elogios, me rebaixo, rastejo.
Faço-me, enfim, mancha ... cisco.




segunda-feira, 26 de agosto de 2024

O ABSURDO

 

A s rotas da vida se me cerraram cedo.
B astou sentir de leve o vento da tarde,
S oou, então, a nota triste e o aceno do real.
U m sonho não vive. Voa e se arrebenta.
R esta o sol queimando, o peso das pedras ...
D e mim, abraços ao mundo, o todo, o tudo.
O  tempo me leva, e eu me aguento ... e amo!



domingo, 25 de agosto de 2024

LABIRINTOS DA NOITE

 

Já estive em tantos lugares,
mas a vida me leva sempre
aos labirintos da noite,
aos redutos de solidão,
pobres e tristes vãos da vida.

As canções me dizem
sempre o mesmo:
sou tristeza que se arroja
pelos desvios da espera:
andarilho natural e fiel.

Hoje, venho mais uma vez
me haver com saudades,
ilusões e promessas
que passaram, luziram
e me fizeram ser quem sou.





sexta-feira, 23 de agosto de 2024

VERSO QUEBRADO

 

A noite acorda-me

de um sonho estreito:

melodias fundidas, opacas,

como a própria dor do nada

ou do breu opressor das horas.


Sou verso quebrado 

a verter na noite 

um sabor amargo de solidão.


Sou prosa rota, silvo breve,

estribilho a buscar-se

no silêncio. Voz que cala

ante o coro de certezas 

e belezas santas.


Sou da cor da noite,

invisível grito feito pó,

amor esquecido, rima impossível.

Sou tempo desperdiçado, 

aquele que se quis 

e se esqueceu.




SOZINHO


S ou o lago que se vê calmo
O nde formas vivas se atropelam
Z oando camufladas, matando,
I rradiando seu caldo criador.
N atureza oculta em casca de beleza,
H oje, meu verso declarado brota
O nde a dúvida invisível tenta se achar.




segunda-feira, 19 de agosto de 2024

domingo, 11 de agosto de 2024

UM FIM

 

E a tarde veio
                vazia
feito a flor guardada
ou a canção sem voz

O céu, distante
mais que nunca
             fez troça
      se escondeu
           
Pobres das notas
            escolhidas
             ensaiadas
 Foram sufocadas

Restou a areia clara, fina
                 a insistir
       ensaiar algum brilho
       ou movimento

Tistes os poetas ávidos
            perderam-se
  a dor venceu a luz
os versos dali não brotaram




quinta-feira, 8 de agosto de 2024

DE MÚSICA E DESEJOS


Do sabor da nota Sol,
o sol da tarde,
(uma promessa de noite)
aconchega
antes que os ruídos
quase opacos do breu
venham fechar o quadro.

Temores brotam da dúvida
essencial, pobre
metafísica de andarilho,
sobre a manhã prometida
e seus trajes mundanos ...
sua face hipócrita:
cadê meu naco de verdade,
meu riso leve?

A tarde voa e se perde
por detrás dos muros;
não nos ouve, ignora!
A espera persiste e a vida
se inventa sem nada novo.
De um lado, música a se perder;
de outro, imagens sonhadas,
tela nova ... e desejos a se esbarrar.

João Luiz Muzinatti   -   agosto/2024

segunda-feira, 1 de julho de 2024

UM BALANÇO













Num balanço extemporâneo,

quase imperceptível
de folhas ao redor da janela,
senti do céu um aceno

(ou talvez tenha sido um olhar de desprezo ...).

O claro fundo entre azulado e pacato
pareceu-me dizer de mim,
da vida que levo.

Um olhar de mestre
altivo, vivido.

Um chamado ao real,
à turbulência que, de tão estridente,
se faz despercebida ante meus olhos.
A mesma que me trança os pés,
empurra e estanca meu corpo,
alerta e me desvia o espírito.

O claro infinito talvez tenha dito
(sei lá! Tudo parece ter cabido num átimo)
que a vida se esvai,
o tempo viaja rápido
e o sol, de tão fiel,
me olha de esguelha
e não garante qualquer volta;

que o real dá piruetas

no absurdo de Camus,
na inconstância dramática de Heráclito,
no sofrimento infinito de Schopenhauer,

na minha própria dor de ser
ou de ser
apenas um tempo perdido
no nada,

e que o verde,
o sangue a pulsar débil de tantos,
a sede de saber (que se disfarça
de balbúrdia ou voz contida),
o grito abafado da fome (feita natural)

todos se mostram
a mim como se fizeram ver ...
tantas vezes.

Ah, pálido azul!  Terás me cobrado algo?
Porventura me haverás culpado
por meu silêncio,
minha paralisia,
meu riso esquivado
e esquecido?

Poderás ter me acenado de dentro?
Poderás me ser mero reflexo?
Imagem pálida de um vulto inerte,
passivo

a errar por um fio de existência
sem de nada se ocupar
além de sonhos que não lhe pertencem,
prazeres inventados alhures,
sabores e cores
que nunca provou de fato?

O que essa imagem inesperada
por detrás da vida
me quer dizer?

Tantas décadas não bastaram?
A vida é o que vem,
não o que ficou?
Meu sol, só o de amanhã,

o resto não existe
e ninguém poderá assegurar?
A vida é imensa
mas pode me caber nas mãos?

Parece me acenar
e me gritar:

Não é hora de parar! Teu carro ainda segue,
tomas-lhe as rédeas

dás teu som às falas,
teu impulso aos golpes
que a vida de tanta vida
ainda quer ... e crê poder dar

(num monstro que reina soberano,
e sei que irás odiar saber que reinará
sem ser acossado quando partires).

Vais ficar aí?
Vais te condenar ao nada,
ao que ainda não está?



A janela segue entreaberta
e o claro vai se turvando,
as nuvens e a noite
vão baixando,

o reflexo se desfazendo

e a vida
(a que importa, a que resta)
esperando,
como sempre.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

MEU SONO


Ah, meu sono!

De noite, a busca do afago

da noite,  do vazio,

O som do fim

da vida 

do dia, 

a cômoda relva 

macia ... acolhida sublime

ao corpo que, da guerra do dia,

escapou e venceu.

Venceu?


Quem sabe outra mirada ...


Talvez uma carícia piedosa

ao pobre diabo,

vencido pela força 

cruel e astuta da vida. 

Um pobre a se aninhar

no ventre da noite ...

e se entregar! 

Até que o mundo invente

o novo. Novas estradas,

novos guerreiros.


Ah! Meu sono. 

Meu tempo

só meu, 

sem tempo,

nem nada.

Até que a vida retorne.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

NINGUÉM

 

Sou ninguém!
Sou a imagem que se borra
nas ruas, andarilha a se mover
feito cisco ou mosca, gota errante,
cor perdida entre os tons da manhã.
Frágil bruma que qualquer vento desfaz,
mutante e sem qualquer razão de ser,

Sou ninguém!
A palavra dita que não se ouve,
a ideia que, de tão banal, nunca voa,
pensamento ora alucinado, ora pobre e débil.
Lamento ou vantagem cantada, professada,
a entrar em parafuso, na dor de um bar qualquer,
sem plateia que não a mente que nada engendra.

Sou ninguém!
Solitário dentro da massa, obstáculo,
pedra pisoteada. Parte na forma do todo
sem que possa alguém se aperceber,
gás neutro a compor a atmosfera,
sem me dar conta. Ando altivo, orgulhoso,
sendo o único a me ver no tempo, na vida.

Sou ninguém!
Ah! Mas que divina condição! Vivo liberdade!
Sou desimportante, desinteressante, sem sal!
Não daria boa manchete, nem moveria gentes.
Ninguém me há de querer como exemplo,
pois a vida só me pôs para seguir. Que bom!
Da vida tiro o que me cabe. E isso não me tiram.




quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

CRIANÇA


C aem gotas de orvalho ... ou notas de opereta
R egando meu desejo de vida, minha razão.
I nvoco deuses, epopeias, poemas antigos,
A casos e planos marcados na história, conflitos.
N o calor da vida, tento me dar conta, entender ...
C ada dia, encontro-me entre raso e alegre:
A  vida aí rebrilha, e alerta: poderia ser diferente.