segunda-feira, 30 de março de 2015

Quero a vida


Não queria viver de sonhos, 
nem querer, da vida, 
mundos e fundos. 
Quisera a obra pura
e solta,  
estatueta esbelta, 
arranjo singelo
e despretensioso, 
do tempo 
e do querer humano, 
humildes artífices
do mundo tal e qual, 
da vida como só pode ser.

Não queria a ilusão louca
a percorrer-me, noites
e dias,
os caminhos e as poucas certezas,
na busca ingênua
de verdades 
e eternidades. 
Nem pensei  (jamais)
em tempo feliz,  
sem os rasgos das dores 
e as surpresas do sol
de cada dia.

Quero,  sim, a vida!
Vida, sim, de fato!
Aquela,  sem remendos
ou remédios. 
Vida pura: vida!
A que me dá o mundo, 
a terra e o movimento, 
o sol e o espaço. 
Quero mais que a idéia:
o sal, a flor e o riso.
Mais que a esperança:
o vento real,
a sombra oportuna
e as ladeiras por todos
e para todos os lados. 

Não quero versos
nem belezas encomendadas.
Nem as falsas carícias
me tocam - amores?  que amores? 
Quero encontros vivos, 
inesperados, 
sem ensaios ou normas.
Quero o doce sem aspartame
e a boca sem brilho falso.

Quero a saliva que escorre
no beijo perdido,  órfão do tempo, 
a mão cega que procura, 
o querer bruto,  sem reservas.
Quero a linha fina,
a separar o dia de luz
e a tempestade, 
quase transparente. 
Quero mais que o tudo
que se crê. 
Quero a pele a sentir,
o mundo a andar
e a vida real
a acontecer.