quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

NINGUÉM

 

Sou ninguém!
Sou a imagem que se borra
nas ruas, andarilha a se mover
feito cisco ou mosca, gota errante,
cor perdida entre os tons da manhã.
Frágil bruma que qualquer vento desfaz,
mutante e sem qualquer razão de ser,

Sou ninguém!
A palavra dita que não se ouve,
a ideia que, de tão banal, nunca voa,
pensamento ora alucinado, ora pobre e débil.
Lamento ou vantagem cantada, professada,
a entrar em parafuso, na dor de um bar qualquer,
sem plateia que não a mente que nada engendra.

Sou ninguém!
Solitário dentro da massa, obstáculo,
pedra pisoteada. Parte na forma do todo
sem que possa alguém se aperceber,
gás neutro a compor a atmosfera,
sem me dar conta. Ando altivo, orgulhoso,
sendo o único a me ver no tempo, na vida.

Sou ninguém!
Ah! Mas que divina condição! Vivo liberdade!
Sou desimportante, desinteressante, sem sal!
Não daria boa manchete, nem moveria gentes.
Ninguém me há de querer como exemplo,
pois a vida só me pôs para seguir. Que bom!
Da vida tiro o que me cabe. E isso não me tiram.