segunda-feira, 13 de novembro de 2023

BREVE INTROSPECÇÃO

 

Passado! Ah, meus sonhos pueris,
minhas voltas largas pelo tempo,
meus célebres enganos ensaiados,
minhas dores reais ... meus pés
acorrentados, atados  à cidade,
a andar qual obreiros quietos,
querendo o mesmo, cantando
o de sempre, o banal, o permitido.

Havia sol, mas a dor do não,
escancarada nas canções,
nos voos rasantes, no silêncio,
isso e muito mais, a travar o passo,
dizia: devagar que a vida é pouca,
o tempo espreita e os ventos,
de tão livres, falantes e heroicos,
também matam e enterram.

Um desejo de poeta tolo,
desses que não se confessa,
pairava entre aprendizados,
crenças e máximas canonizadas.
Havia questões sem sentido
querendo luz, mas sabendo-se
tolas, e desejando não aparecer ...
até mais: desejando não ter nascido.

Passado! Ah, minha vida! Andarilha!
O que brotou de tudo isso? Um eu?
Aquele tal que se equilibrou, dançou,
se embrenhou nas falas santas,
nos versos da moda, nos bons modos?
Onde a vida deu a volta? Quando morri?
Quando foi que um outro nasceu
daquilo que foi vivido quase sem viver?

"A vida continua", dizem! "Não pare"!
Não, não paro: a vida se inventa, eu sei,
o sol nunca é o mesmo: também é outro:
há explosões novas, raios intrusos.
Não há razão pra parar, nem pensar.
Afinal, que me resta? Viver, querer,
amalgamar matéria, pensamento, dor,
amor ... Fazer o novo ... com o que resta. 




quarta-feira, 1 de novembro de 2023

VIVO


Joia perdida,
som descuidado da infância,
fagulha bailarina
a orientar, debandar ...
de repente voltar.

Sou filho dessa ilusão,
órfão de cada esquálido riso
ou apoteose de mentira
atirados pelo mundo,
ar postiço a inventar vida.

Ando pelo único atalho
a ser seguido, única mão
a me apontar caminhos.
Persisto e me crio ainda em festas,
nos desejos fugazes, no engano.