“Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
daqueles que velam pela alegria do mundo [...]”
CAETANO VELOSO
Hoje, o sol
apareceu bem cedo. Lindo! Um típico sol de maio! Só que o dia está triste!
Hoje,
acordamos com a notícia – estampada em todos os jornais, sites, noticiários ...
– da morte do humorista Paulo Gustavo. Sim! Aquele mesmo, da Dona
Hermínia. O ator que fazia o papel daquela mãe toda cheia de trejeitos e
expressões, as quais dificilmente não eram reconhecidas por nós como sendo
idênticas às de senhoras que vemos comumente por aí. Em particular, as mães de
tantos de nós. Isto porque ele, propositadamente, resolveu copiar a sua mãe num
personagem que se tornará inesquecível. Um gênio da comédia e da interpretação
dramática. Perdemos um grande artista! A arte está de luto!
Mas, sinto
que a perda está maior – bem maior – do que nos damos conta. Estamos, neste
momento, meio órfãos da alegria. Isso: perdemos um desses cavaleiros solitários,
guerreiros do tempo, arautos da leveza. Hoje, o riso vai surgir como sempre,
mas dará meia volta. Perceberemos, a cada chance de buscar novas graças, a
falta de um dos tutores do nosso espírito: um desses embaladores de presentes
que tingem nossos dias de regalos. Perceberemos, de repente, que as razões para
se crer na felicidade vão se atrofiando cada vez mais. É! Ele estava sendo tão
importante, nos últimos tempos ...
Vivemos,
hoje, uma contradição sem limites. Tentamos viver de todas as maneiras, buscar
luzes, sonhar com paz ... Enfrentamos uma guerra biológica contra a natureza – a
mesma que nos deu a chance de existirmos, e nos preparou um mundo lindo, cheio
de prazeres possíveis. Somos bombardeados por um vírus irracional, que não
planeja nem tem ódio, mas vai dizimando pessoas, famílias e histórias. O medo
aparece sempre que abrimos nossas janelas. Somos órfãos de lideranças que, nesta
guerra, nos poderiam conduzir por caminhos menos perigosos. Somos reféns de um
lobo que tenta devorar justamente a guardiã maior de nossa raça; aquela que é a
filha mais querida e brilhante da senhora humanidade: a ciência! Nossas forças
são bombardeadas pelo fantasma da morte e seus demônios em peles de cordeiro.
Dependemos de forças que nos façam mais valentes, mas perdemos – dia a dia – as
vitaminas que nos protegem da morte: as alegrias! Mais uma delas acaba de nos deixar.
Paulo Gustavo
– ou a Dona Hermínia, se preferirmos – nos fazia vermos um pouco do que a vida
traz de belo em sua simplicidade e em seu cotidiano. Sim! A vida é linda, nos
diria Paulo: basta que vejamos com cuidado aquilo que, gratuitamente, todos os
dias, desfila perante nossos olhos e ouvidos. Afirmaria, sem dúvida, que o
humano das ruas, das casas, dos trabalhos, é tão gracioso que pode enfrentar a
morte (e seus soldados alucinados) sem precisar de armas, dogmas ou emblemas de
poder. Diria, talvez, até: conhecereis a alegria, e ela vos libertará. Estaria
ao nosso lado, nas trincheiras da esperança, lutando pelo direito humano de ser
o que quiser ser – assim como ele tentou sempre fazer em sua vida.
Que pena! A
tristeza fez outro gol! Mais um! A morte nos deu mais um aceno de seu poder.
Fazer o quê,
Paulo? Somos fracos diante do mundo. Somos grãos de poeira, sem dúvida. Você,
um pouco maior que os demais, pois carregava os germes de nosso maior alimento:
o riso. Agora, nos deixou; mas a Dona Hermínia fica. Enquanto pudermos vê-la,
sentiremos a graça da vida simples e do amor gratuito. Sim: ela é eterna!
Obrigado por nos presentear com essa “peça”! E, incapaz de crer noutras vidas,
só o que posso dizer: obrigado! Obrigado por deixar sua alegria para muitas
outras vidas, e muitos outros tempos. Aqui, seguimos nos aguentando!
João Luiz
Muzinatti
FILOPOESIA