terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O prédio da escola


O PRÉDIO DA ESCOLA                                                      João Luiz Muzinatti

Mais um ano a se acabar, e, no cenário cotidiano da escola, uma visão agora leve e pacífica. Os alunos aprovados já não vêm mais. Aqueles que se encontram em recuperação ou exame final chegam calmamente para completar as últimas etapas do longo ano que chega ao fim. Pátios silenciosos e as ruas das cercanias, quase desertas. E, tão imponente quanto comum, o prédio da escola passa a confundir-se com as outras construções, dando sua contribuição modesta ao cinza fosco que tinge o bairro. De toda a correria do ano, o que ficou foi a sensação de que os papéis foram quase todos cumpridos e as pessoas podem, enfim, descansar um pouco do conhecimento e fazer da vida algo mais prazeroso e descomprometido. É tempo de não pensar! É hora de relaxar!

Ao final de cada dia, o prédio da escola não fica apenas abandonado. Sóbrio e modesto, sabe que deve ser esquecido. Conhecedor da realidade, entende que depois de um dia de trabalho, bom mesmo é não pensar em nada. Chegando em casa, todas as noites,  as pessoas se prometem - adultos e crianças - usar apenas um pedacinho de seus cérebros. E a TV está sempre esperando com seu velho arsenal de descanso mental. Novelas e telejornais de linguagem fácil - estes geralmente trazendo notícias seguidas das devidas conclusões prontas e acabadas, dadas por comentaristas que mais parecem showmen disfarçados - vão acariciando o pensamento e fazendo-o adormecer levemente. Sem que se perceba, surge um estado de torpor benigno que afasta a todos daquilo que incomoda a vida. O trabalho dos adultos e a escola das crianças e dos adolescentes são coisas a serem esquecidas momentaneamente. Que o próximo dia se encarregue de trazer tal suplício. Agora, é hora de ser feliz!

No momento em que mais um ano vai se acabando, a morada do saber já conhece seu destino. Solidão e esquecimento! Afinal, agora o tempo joga a favor das pessoas. Hollywood, lojas exóticas (ou até as mais acessíveis), games, Facebook, entre tantas opções, prometem a redenção do árduo e tenebroso exercício do pensar. Jovens estudantes e seus pais esquecem a escola e, juntos, caminham para o paraíso doméstico da alegria de não ter de esquentar a cabeça. Férias! E, no final do ano, quase como um ritual de sacralização dos nadas nossos de cada dia, uma noite feliz de gala, shows de virada, fogos e a doce expectativa das praias de janeiro e do carnaval, que desde já, começa a se prometer.

Solitário e insosso, o prédio da escola parece, mais e mais, não servir mesmo para nada. Abandonado aos poucos, terá, no instante do crepitar dos fogos, a mais solene desatenção do ano - mais que qualquer outra. No momento em que se festeja a vida mais plena e a espera do futuro mais feliz, as salas de aula vazias e escuras, os pátios e as quadras repletos de silêncio, os letreiros apagados e as calçadas desertas constatam que não passam de meros figurantes na grandiosa trama da vida. Acostumado a não incomodar nas noites felizes e sem pensamentos de todos os dias, chega até a se gabar de poder proporcionar, agora, com sua calma e seu silêncio, mais de trinta dias sem as penúrias de aulas, provas, leituras ou trabalhos. Sonha, qual solitário enamorado de deusa distante, que está sendo lembrado. De repente, um dos estampidos parece ser em sua homenagem. Escuta-o com atenção e, com a calma de todas as noites, experimenta a paz  suprema e imbatível da mais completa das ausências.

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